segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

INSANIDADE, POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

              Ao todo, eles eram quatrocentos mil na pacata cidade de Chelmno, na Polônia de 1941. No dia 07 de dezembro começaram a desaparecer. Aos poucos foram deportados para um dos primeiros campos de extermínio nazistas, batizado com o mesmo nome da cidade. Eram empurrados para dentro de um caminhão, mais ou menos umas oitenta pessoas, entre homens, mulheres, idosos e crianças. Ao fim do trajeto, muitos estavam mortos, asfixiados que foram pelo escapamento de gás carbônico para dentro da caçamba do caminhão. Talvez surgisse ali a insana inspiração para a criação das teratológicas câmaras de gás, onde milhões de judeus foram assassinados ao longo da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que, diariamente, eram assassinados dois mil prisioneiros. Aqueles que conseguiam chegar vivos aos campos de extermínio, acabavam por morrer de fome, sede, frio, maus tratos ou crueldade. Assim, nem todos foram fuzilados ou asfixiados.
              Dois dias antes da chegada das tropas soviéticas, em 18 de janeiro de 1945, aqueles quatrocentos mil judeus estavam reduzidos a apenas dois. Um deles tinha apenas treze anos quando levou um tiro na cabeça como despedida dos carrascos nazistas que fugiam de Chelmno Nada pessoal. Em 25 de janeiro de 1945 as forças alemãs abriram fogo contra vários prédios da cidade, inclusive um hospital, um terminal ferroviário e uma cervejaria, enquanto retiravam-se da cidade.  Rastejando até um chiqueiro, conseguiu o abrigo de onde seria resgatado e tratado pelos vitoriosos. O outro sobrevivente desapareceu sob os escombros da Segunda Guerra Mundial, e nunca mais foi visto.
              Apenas dois seres humanos sobreviveram ao terror, à infâmia e à insanidade de um exército comandado por um psicopata. Dos quatrocentos mil judeus, restaram apenas dois, e somente um deles contou os horrores vividos sob o regime nazista. Foi naquela cidadezinha que se iniciou o extermínio em massa de judeus, perpetrado ao longo de toda a guerra. Igual destino estava reservado a negros, homossexuais e ciganos, todos considerados inimigos do Terceiro Reich.
              Louvado na inacreditável teoria da superioridade da raça ariana, Hitler faz aprovar, em 1935, as tristemente célebres “Leis de Nuremberg”, que, entre outras coisas, proibiu o casamento, a coabitação e as relações sexuais entre judeus e portadores de sangue alemão. Foi a partir da vigência de tais leis que o anti-semitismo foi oficializado. Surgiu a obrigatoriedade de judeus usarem a estrela-de-david em braçadeiras, para que fossem identificados de imediato. Em pouco tempo a população judaica seria proibida de frequentar as ruas e praças e obrigada a submeter-se a um toque de recolher.
              Em novembro de 1939, dois meses após a invasão da Polônia os nazistas criaram o primeiro gueto da Europa, na cidade de Lodz, Polônia. Quarteirões inteiros eram separados por muros altos e arame farpado e vigiados por guardas truculentos. Os soldados podiam atirar em qualquer pessoa que transitasse na frente deles. Para Lodz, foram levados os cidadãos judeus, despojados de todas as posses e direitos. No gueto, a fome, o frio, a brutalidade e as doenças deram início à mortandade. Os mais fortes eram usados nas fábricas de uniformes militares, máquinas e prataria. Passaram pelo gueto de Lodz cerca de 500 mil pessoas, num espaço apertado de poucos quarteirões e prédios lotados para tanta gente. Quando foi fechado, em 1944, os 80 mil habitantes que sobreviveram a assassinatos e doenças foram transferidos para Auschwitz.
              Um ano depois, no gueto de Varsóvia, foram amontoados mais de meio milhão de pessoas. Morriam, por mês, em torno de cinco mil pessoas. De frio, fome, tifo ou assassinadas. Os corpos jaziam na rua até que fossem retirados e transportados por carrinhos de mão.
              Em 1942, inaugurou-se o campo de extermínio de Treblinka, para onde seguiam os ex-moradores do gueto de Varsóvia. O destino da maioria eram as três câmaras de gás ali existentes. Três vezes por semana, trens lotados despejavam as vítimas em sua última morada. Em um ano o gueto estava vazio.
              Ao chegar a Treblinka, as pessoas eram despidas e, fosse inverno ou verão, esperavam nuas para entrar na câmara de gás. Antes do banho que supunham iriam tomar dezesseis barbeiros judeus, recrutados entre os prisioneiros mais antigos, cortavam os cabelos das mulheres. Com isso, evitavam o pânico entre os prisioneiros, e tentavam convencê-los de que sairiam dali com vida. Seus cabelos eram remetidos à Alemanha e utilizados como enchimento de colchões. De onde estavam nuas e carecas, as mulheres ouviam os gritos de horror de seus maridos, filhos e irmãos sendo assassinados nas câmaras de gás. Eram poupados apenas os que fossem necessários para a manutenção da macabra linha de produção.
              Sustentadas pelo motor de um tanque, as câmaras funcionavam dia e noite, sem parar. Finalizado o extermínio, as portas eram abertas, e a multidão de cadáveres era jogada nos fornos crematórios. Prisioneiros judeus eram orientados a manter o fogo alto, utilizando os corpos, a fim de que a cremação não fosse interrompida. Mesmo assim, os quinze fornos não eram suficientes para dar vazão à eliminação dos despojos. Bem por isso, foi preciso enterrá-los em gigantescos sepulcros coletivos. A quilômetros de distância era possível sentir o cheiro dos cadáveres empilhados.
              Idêntico circo de horrores pontuava os alojamentos. Em um ambiente úmido, frio, sujo e escuro, os judeus ficavam esmagados uns contra os outros, em triliches ou no chão.
              Em Treblinka havia um método alternativo de assassinato, preferencialmente usado para matar idosos e crianças além dos doentes: a “enfermaria”. Despidos, eles sentavam em bancos e aguardavam a presença do “médico”. Um soldado sorridente tranqüilizava-os dizendo que seriam curados com apenas uma pílula. Esse eufemismo doentio, na verdade, queria significar que todos os que ali chegavam seriam eliminados com um só tiro na nuca. Os corpos eram jogados num poço profundo e, depois, incinerados.
              Ao longo de 1942 os judeus foram obrigados a construir mais seis câmaras de gás. Além de Chelmno e Treblinka, Belzec, Sobibor, Maidanek e Auschwitz.
Auschwitz era o mais cruel campo de extermínio da Europa. Se existisse inferno na Terra, ela lá que seus executivos estabeleceriam a sede. Judeus de todas as partes da Europa foram despejados naquele pesadelo. Os cidadãos de Auschwitz, cuja população era formada por 80% de judeus, foram os primeiros a ser assassinados. Estima-se que quase dois milhões de pessoas tenham perecido, vítimas das câmaras de gás, dos fuzilamentos, do trabalho forçado, da fome, de doenças.
              O tristemente célebre Josef Mengele iniciou ali seus experimentos médicos com seres humanos. Para isso, crianças gêmeas (somente elas) eram poupadas da morte. O que não queria dizer muito, porque sobreviviam apenas para que o “cientista” em questão se lhes aplicasse vírus e bactérias, e ainda as usasse como cobaias nas suas técnicas de esterilização. Em relação aos adultos, fazia-os mergulhar em água congelada – queria saber quanto tempo suportavam. Após extrair os dentes dos prisioneiros, Mengele contaminava-os com pus e os reimplantava nas vítimas.
              Em Auschwitz a execução de vidas humanas atingiu um patamar frenético: dois mil judeus eram assassinados em apenas quinze minutos. O opróbrio atingia o apogeu. Triunfava a indignidade.               
              Os nazistas obrigavam suas vítimas a construir barracas, queimar corpos e, ainda manter Auschwitz em funcionamento. E o cúmulo da abjeção: os judeus também eram explorados como mão-de-obra escrava por várias empresas alemãs, como Siemmens, Krupp e a fábrica de munição I. G. Farben. Os que conseguiam o milagre de manter um mínimo de saúde em meio à tamanha adversidade eram escalados para o trabalho. Os que não trabalhavam em fábricas cumpriam obrigações horrendas. Enchiam os crematórios com os mortos e muitas vezes tinham de enterrar conhecidos e familiares.
A máquina de guerra nazista era financiada, inclusive, pela força de trabalho e pelos bens expropriados das desgraçadas vítimas. Ao entrar no campos de extermínio, eram despojados de todos os seus pertences. Os militares encarregados da administração de tanta baixeza não dispensavam nem mesmo óculos, dentes de ouro, cabelos, roupas, sapatos, malas etc. Uma vez confinados, se patrimônio resumia-se a um pijama listrado e um prato de sopa rala – de batata ou de nabo, ambas com acréscimo de areia.
                 Quando os soviéticos chegaram a Auschwitz, em janeiro de 1945, experimentaram o paroxismo do horror. Eles custaram a acreditar no que seus olhos viam: milhares de pessoas reduzidas a pele e osso; corpos incendiados; cadáveres espalhados como lixo por todo o campo. Era tão grande o abatimento daqueles motos-vivos que sequer dispunham de força para celebrar o fim do mais longo pesadelo de suas vidas. Os soldados abriram mão de suas rações salvar a vida daqueles infelizes, quase mortos de fome e sede. Alguns estavam tão desnutridos, tão desacostumados a ingerir alimentos que morreram ao voltar a se alimentar.
              Um dos sobreviventes, muitos anos depois, descreveria com detalhes o martírio que vivenciou. Depois de uma horrenda viagem noturna de trem, de Lodz para Auschwitz, foi recebido a chicotadas pelos soldados alemães, que se esmeravam em aterrorizar ainda mais os prisioneiros. Ele guardou para sempre os gritos de um gordo oficial que urrava entre os presos, repetindo a mesma frase: “Vocês sabem onde estão, seus filhos da puta? Vocês estão em Auschwitz! Daqui só se sai pelas chaminés!” O que mais impressiona é o orgulho que sobressai quando declina aos recém-chegados o nome do lugar. Como se fora uma grife, a mais famosa que a baixeza humana pudesse conceber. Uma certificação da sinistra eficiência derivada de um senso moral putrefeito.
* * *
              Compreendo que precisem de um intervalo para que possam prosseguir na leitura. Antes, porém, vamos transmitir logo uma informação mais chocante do que tudo o que acabaram de ler:
O extenso rol de barbaridades acima enumerado foi perpetrado com amparo nas leis alemãs vigentes àquela época!
* * *
              Sim, admito que possa parecer mentira. Desgraçadamente, contudo, não é. E não é em virtude da doutrina conhecida em Filosofia do Direito como positivismo jurídico, juspositivismo ou normativismo. O conteúdo teórico de tal corrente advoga a existência única e exclusiva da lei, ou seja, do direito positivo. A norma jurídica emanada do Estado e o direito se equivalem. Só existe o direito que se extrai da norma legislada. Na sequência, é forçoso admitir que Direito e Justiça não estejam, aprioristicamente, conectados entre si. Justo seria aquilo que a lei diz que é justo. Não é difícil imaginar até onde pode chegar tal concepção se os legisladores decidirem manipular a nação.
              O exemplo mais eloquente é o aludido rol de barbaridades nazistas. Tudo estava protegido pelo regime legal vigente na Alemanha dos anos 30.
              Lastreado numa eleição livre, Hitler assume o poder em 1933. Naquele mesmo ano é aprovado o “Ato de Habilitação”, outorgando poderes amplíssimos ao Gabinete de Hitler. A partir de então, Hitler dispunha de poderes para alterar até mesmo a Constituição da Alemanha. Formalmente válido este instrumento deu suporte para que todos os crimes cometidos contra os judeus se pudessem considerar “lícitos”. Surgiram depois, em 1935, as “Leis de Nuremberg” aprovadas no auge do regime nazista. Em consequência, pode-se afirmar que a ordem jurídica alemã naquele período era substancialmente a pura e simples vontade do líder. Independente do grau de razoabilidade, ética ou sanidade, sua vontade era transformada em lei. E, portanto, todos os carrascos que realizaram os desígnios daquela mente pervertida nada mais fizeram do que cumprir uma ordem legal. Cometeram meros “crimes de empregados” Como responsabilizá-los, se apenas cumpriam ordens que se consideravam legítimas, porque amparadas na lei?
              Uma resposta possível pode ser encontrada no postulado fundamental do positivismo jurídico ou normativismo: a lei existe para ser cumprida, não para ser questionada.            
              Sucede que os juristas dos países aliados entraram em choque quando verificaram que a bestialidade humana é quase ilimitada e que a impotência da lei para coibir condutas como aquelas praticadas pelos nazistas era, praticamente, incontroversa. Urgia introduzir uma mudança profunda na filosofia do Direito, ou atos como aqueles se repetiriam. Com muita acuidade, eles deduziram que todo o circo de horrores acontecido era devido à ausência de questionamento acerca do conteúdo das normas jurídicas. Hans Kelsen, um dos mais célebres expoentes do positivismo jurídico, entendia não caber ao jurista formular qualquer juízo de valor acerca do direito. Desde que a norma fosse válida, deveria ser aplicada sem mais perguntas. Era essa a idéia em torno da qual formulou sua Teoria Pura do Direito. Aliás, foi exatamente esse o argumento central dos advogados que patrocinaram a defesa dos nazistas no Tribunal de Nuremberg.
              Diante das imagens e dos crimes contra a humanidade cometidos pelo regime nazista é que se cogitou do desenvolvimento de uma nova corrente jusfilosófica que veio a ser conhecida como pós-positivismo. Cumpria agora dotar o Direito de um positivismo ético, cujo propósito primordial é inserir na ciência jurídica os valores éticos indispensáveis para a proteção da dignidade humana. As leis devem necessariamente estar imbuídas de um forte conteúdo humanitário, pena de justificar qualquer barbárie em seu nome. O nazismo provou cabalmente que o legislador pode ser tão opressor quanto qualquer tirano. E é por isso que o direito positivo deve garantir o justo, para evitar a legalização do mal.
              Assim, estabeleceu-se uma nova ordem no panorama jurídico. Se no positivismo de Kelsen tudo girava em torno da lei, qualquer que fosse o seu conteúdo, agora, com o pós-positivismo, a lei cede lugar aos valores e aos princípios, que passam a ser os alicerces sobre os quais se construirá todo o edifício normativo. A norma jurídica, para que possa se considerar legítima deve tratar todos os seres humanos com igual consideração, respeito e dignidade. O jurista alemão Robert Alexy é o principal pensador do pós-positivismo, e afirma que o direito deve ter uma pretensão de correção, devendo-se aproximar da idéia de justiça. Essa pretensão se manifesta através dos direitos fundamentais. Quer isso dizer que nenhum ato será conforme ao direito se for incompatível com os direitos fundamentais.
              O principal objeto do estudo jurídico continua sendo a norma, mas para o operador do direito, seja ele um delegado de polícia, um promotor, um juiz ou um advogado, essa norma deixa de ser neutra e passa a conter uma ideologia, de modo a que os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade, da autonomia da vontade, da liberdade de expressão, do livre desenvolvimento da personalidade, da legalidade e da democracia sejam tão vinculantes quanto qualquer norma jurídica. A observância de tais princípios não é uma faculdade do intérprete, mas uma obrigação. Em outras palavras, a observância da lei é tão obrigatória quanto a dos princípios acima enumerados.
A mudança de paradigma mais relevante é que a norma jurídica só é válida se estiver de acordo com as diretrizes que emanam dos princípios. Os princípios passaram a fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurídico.
Foi assim que a ordem jurídica de diversos países tornou-se centrada na dignidade da pessoa humana, fazendo surgir a teoria dos direitos fundamentais, que tem como premissas a crítica ao legalismo e ao formalismo jurídico; a normatividade dos princípios e regras, que são espécies de normas jurídicas; a crença na força normativa da Constituição, que goza de supremacia formal na ordem jurídica; e os compromissos com ao valores albergados na Constituição (dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade etc).
Essa nova concepção veio para ficar. Hoje, as Cortes Constitucionais do mundo inteiro estão solucionando os casos mais polêmicos que envolvem direitos fundamentais com base nas novas premissas.
CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Conceituar direitos fundamentais é tarefa da mais alta relevância, pois, no Brasil, eles têm aplicação imediata, são cláusulas de eternidade (jamais serão abolidos, nem restringidos, nem mesmo por emenda constitucional) e possuem hierarquia constitucional (se alguma lei dificultar ou impedir a sua efetivação, essa lei será afastada do ordenamento jurídico por inconstitucionalidade).
Direitos fundamentais são direitos que toda pessoa humana tem – independente do que seja, tenha, pense ou faça. Hoje pode parecer de uma obviedade, mas nem sempre foi assim. Na Idade Média, por exemplo, os senhores feudais e proprietários de terras tinham direitos diferentes daqueles reconhecidos aos servos que as cultivavam. No Brasil, os escravos não eram considerados gente para o direito, mas coisa. A pena de açoite só poderia ser aplicada aos escravos. A idéia principal de direitos fundamentais é que toda pessoa tem direitos que o Estado não pode tirar deixar de conceder e é obrigado a respeitar: vida, liberdade, trabalho, remuneração digna, aposentadoria, instrução, manifestação de pensamento, livre associação e reunião etc. É claro que um criminoso deve ser processado e julgado e, uma vez condenado, o Estado pode retirar-lhe temporariamente sua liberdade. Mas não pode ser espancado, torturado, morto ou humilhado.
Assim, é clara a percepção de que os valores básicos para uma vida digna em sociedade constituem o conteúdo ético dos direitos fundamentais. Eles estão umbilicalmente ligados à noção de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder. E a dignidade da pessoa humana? O que significa?  Significa que toda e qualquer pessoa é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado, simplesmente porque nasceram. Todas as vezes que o indivíduo é rebaixado a objeto, todas as vezes que é tratado como uma coisa, todas as vezes que é usado como um instrumento, a sua dignidade é violada. É legítimo, pois, possamos indicar alguns atributos da dignidade humana: respeito à autonomia da vontade, respeito à integridade física e moral, não coisificação do ser humano e garantia do mínimo existencial. Numa palavra: respeito ao outro.
Nem todos os valores, porém, podem ser abarcados pelo conceito de direito fundamental. Somente aqueles valores que o povo, através do Poder Constituinte, reconheceu como de extrema relevância, a ponto de dedicar-lhes uma proteção especial, mesmo que seja implícita. Serão fundamentais aqueles direitos incorporados ao ordenamento constitucional. A lei não pode criar um direito fundamental, a Constituição pode. Quando muito, a lei poderá regular um direito fundamental criado pela Constituição disciplinando seu exercício. É o caso, por exemplo, do direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, que só poderá ser afastado por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A lei ordinária é que estabelece tais hipóteses e a forma como será efetivado o afastamento dessa espécie de sigilo. Mas quem o criou foi a Constituição.
Tudo isso considerado, temos que os direitos fundamentais são normas jurídicas destinadas a afirmar e proteger a dignidade da pessoa humana e limitar o poder do Estado, inseridas no texto constitucional dos Estados Democráticos.
Vincular esses direitos ao Estado Democrático de Direito implica perceber que os valores nele contidos são potencialmente conflitantes, pois que em uma sociedade pluralista e democrática é preciso lidar com a diversidade ideológica. Os interesses de todos os grupos sociais, inclusive das minorias merecem ser respeitados e tratados com igual consideração. Deve ficar claro, porém, que o princípio da proibição do abuso impede que um direito fundamental seja invocado para justificar a violação da dignidade de outros seres humanos. E porque assim é, a ninguém é lícito, por exemplo, invocar o direito à livre manifestação do pensamento, para difundir ou instigar preconceitos, incitar racismo etc.
No Brasil, a Constituição da República adotou um rol não exaustivo de direitos fundamentais. Eles não se esgotam nos direitos que foram reconhecidos no momento da promulgação da Lei Maior, e estão sempre em expansão. Nesse sentido, a dicção do inciso III, do art. 1º combinado com o parágrafo segundo do art. 5º, todos da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República e os direitos e garantias previstas no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotado, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

CONCLUSÃO
    Quando o mundo tomou conhecimento dos horrores praticados pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial e verificou que tudo se fizera com amparo nas lei alemãs vigentes àquela época, a comunidade jurídica internacional foi instada a repensar o positivismo jurídico, segundo o qual não cabe aos operadores do Direito questionar o conteúdo ético das normas ou mesmo a ausência dela. Surgiu, então, o pós-positivismo jurídico, uma corrente de pensamento que impõe ao jurista um juízo crítico sobre a lei, buscando saber se ela é justa, se possui conteúdo ético, se viola a dignidade da pessoa humana e se respeita os limites de contenção ao poder do Estado.
O sofrimento vivido pelo povo judaico foi o ponto de partida para que o ser humano admitisse que o ódio e a crueldade podem facilmente transformá-lo numa entidade teratológica, cuja nefasta existência nunca se cogitou existir. Para que nunca mais a humanidade experimentasse pesadelos como aquele, conceberam-se os direitos fundamentais. Tudo indica que o objetivo não tenha sido plenamente alcançado, infelizmente.